Como muitas pessoas ficam curiosas a respeito do meu processo de trabalho, resolvi publicar uma postagem sobre o mesmo novamente. Decidi unir duas postagens antigas e, como nos últimos anos o mercado editorial mudou muito, também fiz algumas adaptações.
Esboço de ilustração
Várias pessoas me perguntam como faço as minhas ilustrações. Algumas perguntam se são digitais, outras me perguntam como consegui ‘aquele’ efeito, outras não acreditam que eu ainda use materiais tão tradicionais como acrílico e pincéis. Eu até tenho uma mesa digitalizadora que é fantástica, e uso alguns softwares para alguns trabalhos, mas gosto mesmo é das tintas! Principalmente a tinta acrílica. É um tipo de material muito versátil e de secagem rápida, e gosto muito dos efeitos que me permite executar. Enfim, sou fã.
Mas como é que eu faço uma ilustração? Ou melhor, como é que eu organizo o meu trabalho de ilustração de um livro infantil, desde o comecinho? Bem, eu gostaria de apresentar um pouco do meu processo de trabalho na ilustração de um livro infantil.
Análise do Texto, Story-Board e ‘Boneca’ do Livro
Tudo começa com o texto. Geralmente a editora (ou o autor) me manda o texto e solicita um orçamento. O orçamento depende do número de páginas e do formato do livro. Também é importante ressaltar que o valor das ilustrações depende do uso da ilustração.
Depois de acertado o orçamento, prazos, formatos, etc, eu leio o texto várias vezes (alguns trechos eu chego a memorizar de tanto ler) e tento imaginar o que o autor quer dizer com aquele trecho ou frase.Não basta ler só uma vez, a gente tem que ‘sentir’ o texto, de forma que depois possamos ‘traduzi-lo’ em imagens. A cada vez que lemos algo, descobrimos alguma novidade no texto. E, enquanto leio, faço também anotações referentes a outros textos, características dos personagens, sentimentos, lugares… Também imagino o que os leitores vão pensar a respeito daquele trecho, que emoções estão sentido os personagens e quais emoções o texto vai suscitar nos leitores, como é o clima do momento, em que ambiente estariam ou não, se passou certo tempo na história, etc.
Ao mesmo tempo, faço muita pesquisa sobre o assunto do livro, sobre a época, roupas, hábitos, cores, moradias, tipo de vegetação e até leio outros textos que tem afinidade. Enquanto isso, em minha mente os personagens já começam a aparecer… o que vestiriam, traços físicos, personalidade… Faço alguns esboços, procuro referências visuais, não só para saber como poderiam ser, mas até mais para evitar a repetição do que já existe. Sobre animais, por exemplo, observo a anatomia, como é o corpo, suas cores e variações. Embora a anatomia seja importante, muitos ilustradores não se preocupam muito com isso, principalmente no universo do livro infantil. Mas acho a anatomia relevante para que o animal seja identificado. É importante que o leitor não confunda os animais, como acontece com uma luva de silicone que tenho: como as formas são super simplificadas e é cor de rosa, o que na verdade é uma vaca, acaba sendo confundido com um porquinho…rsrs… somente dois chifrinhos na cabeça denunciam a vaquinha. E olhando de frente dá pra dizer que é um lacinho na cabeça da porquinha. 😂
A partir da leitura eu começo a dividir o texto pelo número de páginas. É importante lembrar que no livro há também a folha de rosto, os créditos, e às vezes até dedicatória. Mais do que um story-board, eu gosto de fazer uma ‘boneca’ do livro, onde faço anotações e alguns esboços. Também costumo imprimir o texto e colar os trechos nas folhas. Isso facilita não só a visualização da posição do texto, mas deixa o texto acessível para eu verificar sempre se a ilustração tem a ver com o texto daquela página. É um processo bem artesanal, talvez alguns considerem até meio ultrapassado, mas funciona bem para mim. Além desse processo físico, também costumo fazer a mesma coisa de modo digital: crio um ‘livro’ no computador, insiro o texto separado em cada página, e insiro os roughs (rafes) nas páginas. Esse arquivo é o que eu costumo enviar para a editora para a aprovação dos roughs. Além de apresentar visualmente a ideia do que pretendo fazer ao editor, esse arquivo também ajuda o diagramador – se não for eu mesma a diagramar – a saber o trecho do texto que se refere a cada ilustração e o que deve colocar em cada página.
Roughs – Rafes
E o que são os Roughs? Também muito usada a palavra ‘rafes’, roughs são os esboços ou rascunhos das ilustrações, na maioria das vezes feitos a lápis. Cada pessoa que lê um texto imagina de um jeito. O editor, quando solicita um trabalho de ilustração, não tem ideia do que você está pensando. Como ele terá segurança de que o resultado final do seu trabalho irá de encontro às expectativas dele?
Quando recebo uma solicitação de orçamento, geralmente eu já estabeleço nas ‘condições’ que entregarei os rafes alguns dias depois de ter assinado o contrato e que, após a aprovação dos mesmos, as ilustrações não poderão ser mais alteradas sem ônus. O tempo de qualquer profissional, inclusive o ilustrador, é precioso e não podemos ficar alterando ilustrações prontas. Temos que passar para o próximo trabalho (ou prospecção, tratativas, negociação, etc) pois é assim que pagamos nossas contas. Apesar de muitos pensarem que o ilustrador passa seus dias ‘rabiscando, desenhando, pintando’, isso não quer dizer que você deva trabalhar de graça.
Voltando aos rafes: Para entrar num acordo e não ter que mudar uma ilustração inteira na última hora, eu sempre faço os rafes a lápis de cada página. Digitalizo essas imagens, monto um arquivo com as mesmas, insiro os trechos do texto referentes às imagens e envio esse arquivo (em formato pdf) para a aprovação da editora (Isso dá trabalho, mas também já me rendeu outros contratos). Com esse arquivo, o editor não só visualiza como vai ficar o livro, como também tem a certeza de que você pensou em tudo e que não vão faltar páginas para itens importantes como os créditos e a folha de rosto, nem espaço para o texto em cada ilustração.
Como mencionei no post anterior, esse arquivo é útil para o diagramador, que não terá dúvidas sobre o que fazer com o texto e a ordem das ilustrações. Somente a partir do momento em que foram aprovados por escrito (no mínimo por e-mail), passo a trabalhar nas ilustrações do livro. Na ilustração digital, é comum os editores solicitarem mudanças depois da mesma pronta, porém, numa ilustração feita com tinta acrílica, é praticamente impossível fazer alterações sem prejudicar a imagem final. Portanto, o rafe é importantíssimo para o trabalho do ilustrador. Certamente há ilustradores que trabalham de outro modo. Mas eu prefiro ter a aprovação do cliente antes de me dedicar horas a uma ilustração e no fim ter que alterar porque não passou pelo crivo do editor. Posso dizer que tenho sido ‘abençoada’ e que, até agora, a grande maioria dos meus rafes foram aprovados. Porém, isso não quer dizer que eu vá mudar o meu ‘modus operandi’. Prefiro continuar a fazê-los de modo a ter segurança de que a ilustração que estou fazendo não terá que ser refeita e que a editora sabe exatamente o que vai receber.
Outro aspecto muito importante do rafe é o que ele representa para o ilustrador. Um esboço nos ajuda a trabalhar sem a pressão da certeza. O que quero dizer com isso? Você pode criar livremente, errar, sem ter que se preocupar em entregar aquele trabalho. Pode refazê-lo e modificá-lo quantas vezes quiser, pode riscar e rabiscar por cima. É o que nos ajuda a desenvolver a ilustração. Enquanto desenho pensando no texto, também faço anotações de outras alternativas (cabelo, penteados, tipos de roupa, cor do fundo, pequenos detalhes no ambiente e nas roupas, características das pessoas, onde ficará o texto…).
Geralmente bem simples, abaixo alguns exemplos do como são os meus rafes.
Após a aprovação dos rafes, faço um cronograma e um inventário de ilustrações para que eu saiba o ritmo de trabalho que devo empregar. Há editoras que querem 250 ilustrações para daqui a 30 dias e há aquelas que dão 60 dias para 32 ilustrações. Por isso, organizar o meu trabalho me dá segurança e também sei exatamente o quanto devo fazer a cada dia para entregar o meu trabalho dentro do prazo estipulado.
Em seguida, passo à execução das ilustrações, digitalização e entrega das ilustrações. Dependendo do caso, também faço a diagramação, fechamento de arquivo e envio para a gráfica.
Em breve vou mostrar tudo isso a vocês, pois estou montando um curso completo de como fazer um livro infantil, desde o manuscrito original até o envio do arquivo final para a gráfica. Esse curso será em vídeo e online. O objetivo é alcançar todos que desejam se tornar profissionais de ilustração infantil, mesmo que morem em lugares remotos, não tenham tempo e queiram assistir às aulas conforme a sua agenda permitir. Por isso, como estou em fase de desenvolvimento, esse é o momento certo para você me enviar perguntas sobre a carreira de ilustrador. Ficarei feliz em poder ajudar.
Nossa, adorei conhecer o seu processo! Muito obrigada por compartilhar! Comprei o seu livro na Amazon e estou adorando lê-lo! Tenho muito interesse em fazer os seus cursos!
Olá Ingrid. Muito gentil e generoso de sua parte compartilhar seu processo. Parabéns pela iniciativa. Valeu!
Encantada com seu trabalho!😍
Que texto maravilhoso! Fiquei muito interessado no curso, sou professor de arte na rede pública da minha cidade, mas a parte de ilustração é algo que mais me fascina. Sinto que preciso praticar mais, mas acho que estou me encontrando na ilustração infantil, até pela minha área de atuação mesmo! Obrigado por compartilhar o que você sabe, vou "devorar" seu conteúdo hahaha.
Nossa! Fiquei apaixonada!! Quero muito me inscrever no curso!